terça-feira, 26 de agosto de 2008

Para que calar a boca?

Outro dia eu e meu marido estávamos fazendo algumas pesquisas na internet. Nem lembro mais qual era o nosso objetivo de pesquisa. De repente, ele me chama a atenção para um texto cujo título era “Quanto custa calar a boca”, assinado pela jornalista Marcela Valente, publicado no site da Agência de Notícias Inter Press Service (IPS), uma das principais fontes mundiais de informação sobre temas globais, que conta com o apoio de uma rede de jornalistas em mais de 100 países.

Em seu artigo, Marcela faz o levantamento de uma pesquisa feita em sete países da América Latina (Argentina, Colômbia, Costa Rica, Chile, Honduras, Peru e Uruguai), realizada pela Associação pelos Direitos Civis da Argentina (ADC) e pela Iniciativa Pró-Justiça da Sociedade Aberta, com sede em Nova Iorque.

Constatou-se uma tendência crescente e absurda: a interferência dos governos dessas regiões em interferir na independência de meios de comunicação e de jornalistas por meio de mecanismos “sutis”, desconhecidos, é claro, do grande público.

Segundo Marcela, algumas das formas de “pagamento” são o direcionamento de fundos para publicidade estatal com a finalidade de “premiar” coberturas favoráveis e castigar críticas, contratos de pagamentos direto a jornalistas, ou reclamações com editores contra funcionários em razão da publicação de determinada notícia. Essas são algumas das práticas que limitam a liberdade de expressão e que são executadas debaixo dos panos.

Até alguns anos atrás, havia perseguições, censura direta e até mesmo assassinatos de jornalistas. Atualmente, dentro dos chamados “padrões comuns de intromissão” percebe-se o uso e abuso da publicidade oficial para condicionar conteúdos. O jornalista hondurenho Rodolfo Montalbán, afirma, no texto, que não compram apenas o espaço publicitário, mas a sua consciência.

Não se pode falar mal de prefeitos, de deputados, de governante nenhum. Há jornalistas na Colômbia e no Chile, por exemplo, que complementam sua renda com esse contrato publicitário, o que lhes garante a sobrevivência.

Na Argentina, os jornalistas que recebem bons salários, também são tentados a se venderem. No Uruguai, jornalistas denunciam pressões feitas através de telefonemas tanto para eles, quanto para seus chefes e dizem ser esta uma prática de costume. Nesses países não há lei que regulamente os orçamentos publicitários.

E no Brasil?

No Brasil tudo acaba bem. Nós estamos satisfeitos quando a imprensa consegue “esquecer” o juiz Nicolau, o Sérgio Naia, o nosso poderosíssimo Daniel Dantas. Não é nem culpa dos contratos publicitários, mas de nós mesmos, cidadãos, que não gostamos de briga. Queremos paz!

Só que enquanto a paz reina absoluta, os ladrões estão soltos, carregando dinheiro dentro de suas cuecas, ou gastando com os melhores vinhos, ou ainda, aproveitando seus iates de última geração.

E a imprensa brasileira?

Ah, meus amigos. Tem horas que eu já nem sei mais o que faço com essa minha profissão de jornalista. Aqui, ninguém tem coragem de enfrentar e incendiar a população. Tem muito jornalista, sim, que acha que gritando na televisão vai conseguir mudar alguma coisa. Que com sensacionalismos vão mudar a postura da imprensa. Mas não.

À imprensa cabe um papel muito maior do que este que estão querendo fazer com você, cidadão.

Hoje em dia o jornalismo investigativo sai muito caro para as emissoras e veículos de comunicação. O jornalismo opinativo, sem qualquer tipo de suporte argumentativo é mais barato. Barato porque a sociedade aceita ouvir “coisas”. Até acha interessante.

Mas investigar para que? Só para bagunçar a vida dos pobres ladrões de colarinho branco? “Coitados, eles já fizeram tanta coisa. Deixem-nos ficarem quietinhos no canto deles né”.

É uma pena, mas ficar calado é muito mais fácil. Engolir sapos a seco parece ser mais palatável do que fazer o certo, do que falar a verdade. Não se deixem enganar. Só é bobo quem quer. Mas, enquanto isso a CPI nem começou direito e o Daniel Dantas já conseguiu o direito preventivo para, quando for chamado, não responder a nenhuma pergunta. Na verdade eu só queria fazer uma: quanto ele paga para o Supremo Tribunal Federal, para que tenham tanto medo de serem descobertos?

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Um adeus

Eu acho que nenhuma pessoa deveria sofrer para morrer. Se eu fosse escolher uma forma menos ruim para isso, escolheria morrer dormindo, ou com um tiro certeiro. Ou então nem morreria. Quem sabe se a pílula da eterna juventude deixasse de ser uma fábula e passasse a ser um elixir comercializado como a água em garrafinhas pet e tendo a opção de natural ou com gás?

Lembram do avô do meu marido que esteve internado no “excelente” HGP? Pois é. Infelizmente ele foi vencido por abomináveis 10 anos do Mal de Alzheimer. Ele morreu em casa, no último dia 18, nos braços do seu neto e com essa nova neta aqui sentada do lado esquerdo de sua cama. É importante salientar que este é o lado do coração.

O coração, porém, enfraqueceu. Os pulmões também não resistiram. Mas, eu jamais imaginei que testemunhar a morte seria tão doloroso. Talvez eu esteja exagerando, mas ver alguém que amamos morrer diante dos seus olhos sem que nada se possa fazer, dói muito. É impossível de acreditar.

De repente os olhos se abrem numa estranheza indescritível, a face recebe o tom arroxeado que, numa fração de segundos, passa para o branco e, mais rápido ainda: o silêncio invade nossos ouvidos, corações e mentes.

Não conheci o vô Waldo em sua lucidez. Quando conheci meu marido, ele já estava doente. Mesmo assim, convivi por 6 anos com esse homem que tantas histórias incríveis as pessoas tinham para contar. O Wagler, meu marido, era um apaixonado pelo vô. Talvez por isso tenha feito tudo o que fez com tanto carinho e prazer.

Nos primeiros dias do vô morando aqui conosco, eu fui consolada pelo Wagler quando me emocionava ao ver a maneira dedicada que ele o cuidava. Na madrugada de seu falecimento, novamente o Wagler foi quem me consolou. Na verdade ele era o neto, ele é quem deveria ser consolado. Não eu.

Mas isso me fez ver a muralha que meu marido é. Uma muralha de força, de energia e de muito amor. Minha admiração e meu amor por este homem, que já eram imensos, só fez crescer. Vi ele fazer coisas que não é qualquer neto ou filho que faria. Foram madrugadas inteiras acordado medindo febre, controlando vômitos, limpando fraldas. Manhãs dando banho e preparando comida. Desespero quando tinha que ir ao hospital. E muita serenidade quando pôde servir de amparo ao corpo quando este perdeu a vida.

Porém, nada foi maior do que o amor. Nada me impressionou mais do que a dedicação. Nenhum pecado foi maior do que o excesso de zêlo.

Vô, o senhor criou um homem de bem, de caráter puro, com uma honestidade inabalável e com um coração tão grande que não se consegue identificar os limites. Obrigada por ter me ensinado que a vida é muito mais do que conseguir "coisas" e, sim, dedicar-se a quem amamos.

E fique tranqüilo porque aqui na terra os seus ensinamentos serão seguidos. Só tenho um pedido a lhe fazer: se eu e o Wagler tivermos direito a ter um anjo da guarda cuidando de nós, que esse anjo seja o senhor.

Esteja em paz!


quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Quem está sendo desacatado?

“Artigo 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa”. É isso que se lê em um cartazinho mixuruca quando chegamos ao hall de entrada do Hospital Geral de Palmas (HGP). Mixuruca mas que todos os funcionários públicos do órgão acreditam ter grande efeito inibidor nos pobres cidadãos comuns que nem sequer têm o direito de se revoltar com o mau atendimento que seus entes queridos recebem por lá.

Já que não posso “desacatar” os coitadinhos em seu local de trabalho, vou externar a minha revolta aqui. A não ser que a censura tenha voltado ao Brasil (e eu já não estou mais duvidando disso), acho que ao menos escrever eu ainda posso.

Para situá-lo, leitor, meu marido tem um avô de 89 anos, portador da Síndrome de Alzheimer que mora conosco. Para piorar o seu quadro, há cerca de quatro anos ele sofreu um derrame cerebral o que faz com que ele não tenha condições de andar, de se mexer, de falar. Há seis anos está acamado, com total rigidez dos membros. Nos últimos meses, perdeu a capacidade de engolir e sua alimentação é feita somente através de sonda nasogástrica (aquele caninho que enfiam no nariz e vai até o estômago).

Há três meses, o vô foi acometido por uma pneumonia aguda e precisamos interná-lo imediatamente. Ele estava com apenas 70% da capacidade de respiração e com muito catarro, mas muito mesmo, nos pulmões. Lá fomos nós para o hospital em questão.

Foram longos 21 dias de internação. E aqui começa o meu relato de desacato. Um desacato à saúde pública. Desacato ao direito que todo cidadão tem de receber um tratamento digno e, principalmente, ser tratado com respeito.

É sabido que os hospitais públicos são um grande problema no nosso país. Mas, muitas vezes assistimos aos noticiários no conforto de nossos sofás e não fazemos idéia real das dificuldades e sofrimentos pelos quais tanta gente passa a espera de atenção. Afinal, ninguém procura um hospital para dar um passeio, ou tomar um sorvetinho, ou fazer uma fezinha na loteria.

Quando vamos a um hospital é porque precisamos estar lá e, certamente, não temos outra escolha. Eu nem entrava no hospital. Nunca conseguia permissão. Ficava apenas do lado de fora. Lá eu vi pacientes usuários de fraldas ficarem 48 horas sem receber higiene (o cheiro já estava insuportável), 36 horas sem receber qualquer tipo de alimentação (o cara não quis comer na hora que deram então a comida ficou no canto esfriando sem ele poder alcançá-la).

Vi parentes de acidentados serem ignorados como se ignora uma folha de papel usada e sem nenhuma anotação importante. Vi crianças chorando sem parar com ferimentos nas costas, mas que os importantes funcionários diziam estar fazendo manha. Vi macas cheias de sangue ser reutilizadas em outros pacientes (impressionante...parece que ninguém ouviu falar em pano limpo e álcool).

Vi uma equipe de fisioterapeutas deixar pacientes completamente roxos com os excessos dos exercícios para “ajudar” na melhoria dos movimentos (acho que eles se enganaram e pensaram estar preparando o pessoal das Olimpíadas).

Vi médicos questionando familiares sobre se faria alguma diferença confirmar um quadro neurológico do qual não tinham certeza. Vi enfermeiras disputando com veemência uma vaga de acompanhante de internação para poder ganhar um dinheirinho a mais (um extra que os familiares se submetem a pagar quando não têm condições de ficar em tempo integral com o paciente).

Vi seguranças extremamente despreparados e grosseiros no trato com os nada importantes pais, mães, filhos e netos dos pacientes. Vi gente dormindo nas cadeiras do lado de fora porque vieram de cidades do interior e não tinham onde ficar e nem previsão de quando iriam embora.

Vi enfermeiras fazendo o papel de “garota de mensagem” dando desculpas esfarrapadas para pacientes que não iriam ser atendidos. E eu vi muita sujeira. Nos quartos tinham aranhas enormes grudadas em suas fortes teias no teto. Vi tanta coisa que preferia ter ficado cega. Porém, me convenci que cega eu estava antes.

Será que devemos nos conformar com o que nos obrigam a engolir como uma verdade absoluta? Será que devemos aceitar uma ameaça velada em um cartaz na porta de entrada de um hospital? Será que nós também não estamos sendo desacatados? Por que devemos obedecer a tudo e todos? Será que se eu reclamar serei uma pessoa má e irei para o inferno? Um funcionário “acorbertado” pelo Estado pode ser desrespeitoso com o ser humano?

Não é preciso conhecer as leis para que entendamos que é criminoso tratar cidadãos que sofrem por doença, seja o paciente, ou seus cuidadores, com descaso. Pode não ser crime nas leis em vigor, mas é crime social, é crime de natureza humana e, cuidado importantes funcionários: esse pode ser um crime contra Deus (vocês poderão arder no mármore do inferno).

Infelizmente, o nosso avô caiu da cama outro dia e precisou voltar o hospital. Foram mais dois dias em que ficamos a mercê da “boa vontade” dos funcionários daquele órgão. E não é que eu vi mais uma! A enfermeira chefe me ligou dando bronca porque nós não estávamos lá. Mas não são eles mesmos não deixam entrar? Ô, moça, vocês se decidam!

É triste saber que fazemos parte de uma sociedade composta por arranjos de todos os tipos (políticos, sociais, financeiros). É mais triste ainda ter consciência de que o Brasil não vai mudar tão cedo porque ainda não temos maturidade e conhecimento suficiente dos nossos direitos. Só que os nossos deveres são cuspidos na nossa cara todos os dias.